Nas narrativas sobre o universo carcerário os agentes penitenciários quase não têm espaço. Em seu primeiro longa, o roteirista e diretor baiano Aly Muritiba dá voz a eles. Mais do que isso, mostra o cotidiano desses servidores públicos “desde dentro”, pois exerceu a função durante sete anos – algo já indicado no titulo do longa.
O filme encerra a trilogia sobre a prisão, que teve o premido curta “A Fábrica” (2011), sobre as pessoas que visitam familiares presos, e “Pátio” (2013), outro curta, feito a partir da perspectiva dos detentos.
Usando técnicas do documentário e da ficção, Muritiba filmou no presídio onde trabalhou, em São José dos Pinhais, município da Grande Curitiba.
A rotina dos servidores, que tentam dar um tratamento humanizado aos presos, está marcada pela pressão constante que sofrem de seus superiores hierárquicos -que estão distantes daquela realidade e ditam procedimentos muitas vezes contraproducentes- e dos próprios presos, organizados em facções. Essa falta de apoio e de autonomia, a enorme burocracia -temas pouco conhecidos por parte do público- chamam a atenção.
Os outros problemas que os agentes enfrentam são mais divulgados, mas nem por isso menos dramáticos, como a superlotação e a falta de recursos -não há médicos nem remédios, apenas uma assistente de enfermagem para “cuidar” de quase mil presos. Até o café é racionado.
Muritiba apresenta essa dura rotina com originalidade. As autoridades que administram o presídio simplesmente não aparecem nas imagens e os presos muito pouco. Só ouvimos as vozes destes, enquanto os agentes estão permanentemente sob o olhar da câmera. Esse procedimento trabalha dramaticamente a tensão. Até os corredores e as salas em que os agentes desempenham tarefas administrativas são sufocantes.
O único respiro acontece quando vemos Jefferson Walkiu -chefe dos agentes penitenciários e figura principal do filme- convivendo com a família e atuando como pastor protestante em cultos religiosos ou conversando com fiéis.
A proximidade de Muritiba com Walkiu e sua equipe é determinante para a densidade e a força que a narrativa atinge ao descrever esse universo prestes a explodir.
Assista ao trailer de ‘A Gente’