Sei que cada família é diferente, mas lembro que o meu sair do armário deixou a relação com meus pais um tanto “estranha”, na falta de outra palavra, e essa estranheza foi se diluindo com o tempo.
Por mais estranho que possa parecer, assistir alguns filmes com temática gay com minha mãe foi aos poucos ajudando a quebrar esse gelo, à medida que ela percebia que se existiam tantas histórias com personagens gays, eu não estava sozinho no mundo, e isso deve ser um sentimento reconfortante de certa forma.
Acredito que um dos grandes medos de qualquer mãe ou pai é que seu(ua) filho(a) sofra algum tipo de violência exterior, principalmente violência física, e infelizmente as chances disso acontecer nesse contexto são maiores que para uma pessoa hétero.
Deixo aqui três ótimos filmes que retratam o universo gay de forma realista e honesta, fugindo de estereótipos e do alívio cômico onde muitas vezes são colocados tais personagens.
O Amor é Estranho (Love is Strange – Ira Sachs, 2014) – disponível no Amazon Prime Video
São raros os filmes que retratam o amor depois dos 60, com casais héteros ou não, e esse é um dos motivos que faz de O Amor é Estranho algo tão especial.
O filme começa no dia do casamento entre George (Alfred Molina) e Ben (John Lithgow), que estão juntos há quase 40 anos, e segue acompanhando as consequências dessa união na vida dos dois.
Mais do que construir uma história de amor, o diretor Ira Sachs expõe com delicadeza algumas das dores de envelhecer e se ver cada vez mais dependente dos cuidados de outros, cuidados esses que muitas vezes são acompanhados da falta de paciência e carinho, o que confirma a ideia de que só sabemos celebrar a juventude.
Other People (Chris Kelly, 2016) – disponível na Netflix
Uma pérola em meio à tantas produções vazias com personagens gays dentro do catálogo Netflix, Other People acompanha David (Jesse Plemons), que retorna à sua cidade natal para cuidar da mãe Joanne (Molly Shannon), em tratamento contra um tipo bastante agressivo de câncer. Nessa volta para casa, ele enfrenta alguns fantasmas do passado, como a relação pouco aberta com seu pai.
A sinopse acima te lembra algum outro filme? Muito provavelmente sim. Existem milhares de produções que retratam um personagem voltando para casa para cuidar de algum familiar doente (ou até mesmo para algum velório). A diferença aqui está nas situações cômicas que o diretor Chris Kelly insere na trama, encontrando humor nas situações mais cotidianas.
Além disso, Jesse e Molly se entregam completamente aos seus personagens, e evitam construir os mesmos apenas para tirar lágrimas do público. Quando elas finalmente vem, não é pela pieguice da situação, mas sim porque nos importamos de verdade com o que está acontecendo ali na tela.
Moonlight (Barry Jenkins, 2016) – disponível na Netflix
O que pode ser dito a respeito de Moonlight que já não foi dito várias vezes? Eu nem me arrisco a tentar responder, mas optei por indicá-lo mesmo sabendo que a maioria de vocês já deve ter visto o mesmo. Então, por que a indicação, Adam?
É simples: Moonlight é um dos grande filmes da década, além de ser representativo tanto para o movimento LGBT+ quanto para o movimento negro. Ter ganho o Oscar de melhor filme é só um detalhe neste caso.
O filme divide o arco de seu protagonista em três época diferentes: infância, adolescência e fase adulta. Quando criança, Chiron (conhecido como Little) sofre com o bullying não só dos colegas da escola, mas também da própria mãe, até ser apadrinhado por uma espécie de gangster local e sua esposa, que acabam por se tornar uma referência de família e apoio que antes faltava em sua vida.
Na adolescência, ele se apaixona por outro garoto, mas sente na pele que esse tipo de relação é hostilizada pela sociedade e acaba criando uma espécie de casca em sua fase adulta, se escondendo por trás de uma figura violenta e agressiva. Isso até ele reencontrar o amor da juventude.
Ao quebrar a história em 3 tempos distintos, o diretor Barry Jenkins nos apresenta todas as nuances de seu personagem principal, mas também quebra algumas das expectativas mais comuns que o espectador pode ter, principalmente em seu terceiro ato.
Lembro que da primeira vez que assisti fiquei um pouco decepcionado com a resolução da obra, como se a coisa toda terminasse em um grande anti-clímax. Só alguns anos depois, ao rever o filme, pude apreciar toda a sutileza, realismo e beleza dos seus minutos finais. Uma obra-prima.
Nos vemos na próxima semana!