Lembro que quando o filme Meninos Não Choram foi lançado em 1999, ele foi vendido como “a história de uma mulher que gostava de se vestir e agir como homem”, ecoando um comportamento comum da época: evitar falar de forma direta sobre questões de gênero e transgeneridade.
Pouco mudou desde então e apesar de hoje vivermos um momento de mudanças positivas na conscientização e discussão sobre o assunto, pessoas trans continuam sendo marginalizadas e mortas por uma sociedade que coloca a cisgeneridade acima de todes. Nesse contexto é importante que o cinema em particular, e o audiovisual como um todo, se posicione, pois a arte é um discurso político poderoso e libertador.
Em comemoração ao mês do orgulho LGBT+, indico aqui 3 filmes que abordam as vidas e corpos trans de forma corajosa, diversa e sincera.
A Morte e Vida de Marsha P. Johnson (The Death and Life of Marsha P. Johnson – David France, 2017) – disponível no Netflix
Acompanhamos a ativista Victoria Cruz em sua busca pelo esclarecimento da morte de Marsha P. Johnson, que foi uma das figuras mais importantes dentro da Rebelião de Stonewall em 1969 e que liderou todo um movimento de luta que veio depois.
O corpo de Marsha foi encontrado em 1992 e o caso foi tratado na época como suicídio, mas através de imagens de arquivo e entrevistas com familiares e amigos, o diretor David France tenta juntar as peças de um quebra-cabeça muito mais complexo do que aparenta ser.
É particularmente tocante a importância dada a Sylvia Rivera, amiga de Marsha, que lutou ao seu lado pelos direitos LGBT+, mas que acabou hostilizada e esquecida pelo próprio movimento que ajudou a construir.
Infelizmente, esse advento da investigação do real motivo da morte de Marsha, acaba por tirar o foco da importância que ela teve e continua tendo dentro do movimento, sendo uma referência até os dias de hoje.
Meu Corpo é Político (Alice Riff, 2016) – disponível no NOW e Vivo Play
A diretora Alice Riff constrói uma espécie de documentário controlado, acompanhando situações cotidianas de 4 personagens trans: Linn da Quebrada, Paula Beatriz, Giu Nonato, e Fernando Ribeiro, que nos apresentam aos poucos os espaços que seus corpos políticos ocupam. Essas situações são encenadas com base na vivência de cada uma(um).
Ao se distanciar dos temas de prostituição e violência física geralmente atribuídos às narrativas trans, Alice e suas(seus) protagonistas mostram que existem outros tipos de violência que percorrem esses corpos, e que o simples fato de existir, de trabalhar, de educar, de se divertir, é um ato de luta e resistência.
Meninos Não Choram (Boys Don’t Cry – Kimberly Peirce, 1999) – disponível na Claro Video
Talvez o tema central de Meninos Não Choram seja a liberdade, ou melhor: liberdades. Liberdade de não guiar sua existência com base no sexo biológico, liberdade de poder se relacionar e amar sem julgamentos, liberdade de poder existir sem ter que dar satisfação, liberdade de não ter sua identidade e corpo violados pelo pensamento normativo que rotula as diferenças como algo ruim.
Ainda que muito elogiado pela crítica na época do lançamento, uma das principais ressalvas que se faz ao filme foi a contratação de uma atriz cisgênero no papel de Brandon Teena, um homem trans estuprado e assassinado em 1993, com apenas 21 anos
Apesar desse erro, a diretora Kimberly Peirce e a atriz Hilary Swank conseguem retratar de forma convincente o último ano de vida de Brandon, e o filme é reconhecido por ser um dos únicos filmes com protagonismo trans masculino. Infelizmente.
Talvez revisitar esse filme e essa história tanto tempo após seu lançamento possa inspirar uma nova geração a retratar pessoas trans dentro de um contexto que não termine em morte, mas sim em vida, e que isso vá muito além de uma # nos seus feeds do instagram.