Nota da Direção

Com “Tijolo por Tijolo” acompanhamos, durante dois anos, os altos e baixos na vida de Cristiane Martins: a descoberta de uma gravidez não planejada, o risco de desabamento da casa da família, as consultas de pré-natal, a luta pela laqueadura no SUS, o parto, a aproximação de Cris com movimentos feministas, o trabalho nas redes sociais, os primeiros passos do bebê, a construção dos quartos e de uma nova vida.

Compartilhamos momentos bastantes difíceis, no entanto, “Tijolo por Tijolo” é um filme solar. Porque sempre foi importante para nós, na edição, ser fiel à forma como Cris e sua família lidam com a realidade - de maneira pragmática e realista, mas sempre com muito afeto e esperança. Com este filme, pretendemos criar novos imaginários possíveis de um Brasil real, ainda raramente retratado nas grandes telas. Alicerçados em uma relação de intimidade e confiança, desejamos construir uma obra que retrata a maternidade sem idealizações - uma mulher que não é vítima nem heroína, e que nunca deixa de sonhar. O tipo de mulher que é invisível em nossa sociedade, mas sem a qual o mundo não seria o mesmo.

O documentário traz ainda reflexões sobre a autorrepresentação do corpo preto nos dias de hoje e sobre a onipresença das redes sociais na sociedade contemporânea. Além disso, inova esteticamente ao optar por misturar diferentes linguagens audiovisuais na montagem (além das imagens filmadas pelos diretores, estão presentes na trama o conteúdo das redes sociais da protagonista, arquivos pessoais da família e imagens feitas com celular por um dos filhos do casal, com reflexões próprias de uma criança de 8 anos sobre sua realidade, trazendo lucidez e leveza à narrativa).

“Tijolo por Tijolo” é um projeto que parte do íntimo, mas acaba por ser profundamente político. Cris é mulher, negra, moradora da periferia e através de sua vida, o filme aborda uma infinidade de questões sociais que atravessam nosso tempo e a vida de milhões de brasileiros: racismo estrutural, desemprego, dificuldade de acesso à moradia, insegurança alimentar, sonho de empreendedorismo, pulverização das relações de trabalho, justiça reprodutiva, planejamento familiar, maternidade real, feminismo decolonial, racismo ambiental. Mas também aponta para futuros possíveis, de uma periferia brilhante, tecnológica, inventiva e cheia de afetos. Um Brasil que existe, mas que não está no retrato.