Após uma dezena de curta-metragens filmados no Brasil, a maioria deles em Fortaleza, nordeste do país, mudei-me para Portugal, com o intuito de continuar meus estudos em cinema e viver no país que me acolheu em encontros anteriores. António Um Dois Três ao mesmo tempo que continua também traça um desvio dentro do meu recente projeto de cinema. O filme apresenta o mesmo desejo narrativo e fabulatório de filmes anteriores, o mesmo interesse pelo corpo vibrante de adolescentes e jovens adultos, a mesma mistura entre os encontros amorosos e paisagem urbana. Mas agora estou numa cidade milenar, lugar cujas camadas de História se sobrepõem umas sobre as outras, desde fundo da terra até o chão em que pisamos. Estou num país onde o cinema possui suas próprias peculiaridades, fruto do trabalho de autores que admiro imensamente. E tanto quanto a cidade de Lisboa, outro encontro me ofereceu um novo modo de olhar: Mauro Soares, voz e corpo de António, cuja presença mutante inspirou muitas das cenas de António Um Dois Três. Tentei com António Um Dois Três alinhar um espírito clássico (a la screwball comedy) com um interesse pelos rostos, ruas e luzes… que iluminam e assombram Lisboa. Com o espírito desenfreado, atento a descobertas e ao desejo de fazer cinema, eu e uma equipe formada por brasileiros e portugueses, começamos a filmar a história de um jovem rapaz português, sem saber se ao fim do filme ele se encontraria com a moça brasileira que sempre está de passagem. António Um Dois Três foi filmado aos poucos e aos poucos entendíamos melhor que história estávamos filmando, sempre atentos a voltar atrás e recompor aquilo que já tínhamos. Como na vida, o jogo que o personagem António joga não tem cartas marcadas, mas ele parece perceber que um mistério cruza seu caminho. Esse mistério é a profunda e inevitável lâmina do amor, capaz de cortar de baixo até cima todas as camadas da realidade. Algo só possível de se tornar visível no espaço de 95 minutos de um filme.

Leonardo Mouramateus – Diretor