Sinopse /
Os processos de resistência vividos por mulheres negras adictas ou em convívio com pessoas adictas do uso do crack frente às sentenças de morte impostas pelo racismo, machismo, homofobia e as desigualdades sociais no Brasil. “O Primeiro Beijo” é um documentário sobre o desejo e a coragem de viver, apesar da dor, da doença e do medo.
O Primeiro Beijo é um documentário que observa a vida e seus descaminhos fabricados por um Estado omisso, o filme registra as narrativas de mulheres negras em convívio com o que chamamos na América Latina de "a droga do século”: O crack. Sendo eu uma mulher negra da diáspora, o fenômeno do crack e a secular escravização dos corpos de mulheres negras no Brasil são fios da mesma trama. O crack é um fenômeno político. Um sistema de extermínio da população negra que tem sido atualizado em várias partes do mundo; aconteceu nos anos 80 e 90 nos Estados Unidos, dizimando gerações, produzindo a perda de patrimônio familiar de milhares de pessoas, e causando danos irreparáveis às gerações futuras. Nos últimos 20 anos, essa fórmula está sendo repetida na América Latina, e no Brasil essa tecnologia de escravizar e matar negrxs tem sido aplicada largamente.
Passados dez anos de investigação para o filme, os assassinatos e "desaparecimentos" de algumas personagens da primeira etapa deste filme, somado a todo retrocesso político vivido nos últimos anos no Brasil, nos trazem evidências de como outras dinâmicas sociais que produzem e sistematizam a violência, sobretudo contra mulheres, provocam por fim - de maneira intencional e coordenada - o fenômeno das “cracolândias”, alimentando uma variante da escravização moderna, o crack.
“Se tem mulher usando crack, tem criança na boca". Essa foi a frase que me fez decidir fazer este documentário. Em 2006 eu trabalhava como jornalista na TV pública da minha cidade natal, Salvador, e residia num bairro central, o largo dois de julho. Da minha janela via aumentar a cada dia o número de mulheres parecidas comigo(negras) andando pelas ruas a esmo, maltrapilhas, anestesiadas pela droga, muitas delas grávidas, vivendo em condições sub-humanas. Rilda era uma dessas mulheres, um ser "invisível" aos olhos da cidade e insignificante aos olhos do sistema. Certo dia voltando do trabalho, ao me ver descer do carro da TV, Rilda me parou e pediu para conversar. Eu, blindada pelo preconceito, mas sentindo o impacto do reflexo daquela mulher em mim, parei e a ouvi. Eu poderia estar ali, naquele lugar, pensei comigo. A linha tênue que me "separava" dela era " o primeiro beijo". De ouvir a entender o pedido de Rilda passaram-se alguns meses. Eu demorei a entender o sentido do que ela me pedia. A urgência daquela voz…
Rilda estava determinada a contar sua história e insistiu muitas vezes dizendo: "eu vou morrer, mas antes disso eu quero falar dessa droga. Quero que você faça um filme sobre minha história, quero dizer para outras mulheres não "dar o primeiro beijo”. Essa droga é uma arma apontada pra nossa cabeça. “Se você beijar, você aperta o gatilho". "Primeiro Beijo" é a maneira como as mulheres negras se referem a sua primeira experiência com o crack. Essa frase cheia de múltiplos sentidos, e de certa maneira sutilmente irônica, guarda a dor de mulheres para as quais as experiências de amor e de afeto estão necessariamente atravessadas pelas mais variadas formas de violência.
Eu, um corpo historicamente invisibilizado pelo racismo, misoginia e sexismo, entendi que Rilda, estava num fosso ainda mais fundo. Ela era "invisível" e a experiência de viver com a doença da dependência química a tornava o primeiro alvo de todas as violências que historicamente atravessam os corpos de mulheres negras no Brasil.
"Se é homem tem tratamento, se é mulher fica ao deus dará", eu ouvi essa frase de uma das personagens do filme, quando perguntei sobre as políticas públicas de atendimento e/ou tratamento para mulheres que convivem com o crack oferecidas pelo Estado. O crack é uma forma de feminicídio alimentada pelo racismo, machismo e misoginia. Mata-se as mulheres negras dependentes da droga e mata-se também as mulheres negras não usuárias cujos filhxs ou companheirxs são usuários. Este é um ambiente onde o estupro é a norma e o Estado entende como normal NÃO haver clínicas de recuperação e tratamento para mulheres em situação de dependência química, ou qualquer outra política de redução de danos. O documentário O Primeiro Beijo é a voz que o Estado não quer ouvir.
É o grito de mulheres negras!
Direção
Urânia Munzanzu
Pesquisa
Urânia Munzanzu E Lorenlai França
Roteiro
Urânia Munzanzu e Susan Kalik
Direção de Produção
Flávia Santana
Produção Executiva
Urânia Munzanzu e Susan Kalik
Produtores associados
Lázaro Ramos e Thiago Gomes
Direção De Fotografia
Edinho Alves, Gabriel Teixeira e Maoma Faria
Montagem
Thiago Gomes Rosa
Trilha Sonora Original
Jarbas Bittencourt
Assistente de Direção
Tais Amordivino
Assistente De Câmera
Jaine Oliveira
Imagens Extras
Falani Afrika E Ismael Silva
Iluminador Teatro
Marcos Fernandes
Colorização, Desenho de Som e Mixagem
Modupé Produtora
Som Direto
Dudoo Caribe
Assistente De Som Direto
Cristiana Fernandes
Captação de Som de Elza Soares
Ricardo Muralha E Vilma Neres
Participação Especial (Voz)
Elza Soares
Poema Original
Canarinhas Da Vila De Landê Onawale
Elenco Principal
Rilda Lima, Lorenlai França, Sandra Regina Oliveira, Camila Oliveira Dos Santos, Vânia Gonzaga Da Silva, Amanda Priscilla Lima Rosa, Annelise Moreira, Thiffany Odara, Elenita Da Silva Oliveira, Maria Luciene Araújo, Nilzete Leão e Andressa Leão Nascimento
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